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Carta de Valor – Analisando uma empresa de forma pragmática
O caso Starbucks
1. Introdução – Investir não é consumir
Inicialmente, gostaria de agradecer a você, leitor - investidor , por permitir que minha percepção e visão sobre investimentos chegue em seu e-mail. Espero que goste desse modelo de carta , a qual gostaria de estar compartilhando que é de alto teor cultural que muitas casas de análise não conseguem entregar, justamente por motivos de conflitos de interesse ou até desinteresse em ensinar.....
Boa Leitura, Victor Giorgi - Investidor e fundador da VGI+ Investimentos inteligentes.
Imagine a cena: você anda por uma avenida em Nova York, São Paulo ou Xangai e vê o copo verde da Starbucks na mão de dezenas de pessoas. A marca aparece em filmes, séries, aeroportos, escritórios e universidades. É natural pensar: “Se todo mundo compra, deve ser uma ótima ação para investir.”
Esse é um dos erros mais comuns do mercado: confundir experiência de consumo com qualidade de investimento. Gostar de uma marca ou de um produto não significa que aquela empresa seja uma boa escolha para sua carteira. Da mesma forma, ter uma experiência ruim não significa que ela seja necessariamente uma má ação.
Investir exige outro olhar: frio, pragmático, baseado em fundamentos. É como pilotar em céu fechado: você não pode confiar apenas nos olhos, precisa dos instrumentos.
No mercado, esses instrumentos são:
Fundamentos financeiros – a empresa gera caixa de verdade?
Vantagens competitivas (moat) – ela tem algo que os outros não conseguem copiar?
Gestão – quem está no comando é capaz de executar?
A Starbucks é um estudo de caso perfeito: uma marca global, amada e presente no cotidiano, mas que enfrenta pressões reais. Olhar para ela sem paixão é um exercício de lucidez — e é isso que vamos fazer nesta Carta.
2. História e simbolismo da Starbucks
A Starbucks é mais do que uma rede de cafeterias. Ela é um fenômeno cultural, um exemplo de como uma ideia simples — vender café — pode se transformar em uma das marcas mais reconhecidas e valiosas do planeta. Para entendermos o que está em jogo quando falamos da Starbucks como investimento, precisamos revisitar sua história.
1971 – O começo em Seattle
Em março de 1971, três amigos — Jerry Baldwin, Zev Siegl e Gordon Bowker — abriram uma pequena loja no Pike Place Market, em Seattle. O nome “Starbucks” foi inspirado em um personagem do livro Moby Dick e remetia ao universo marítimo. O logotipo original, ainda cru, mostrava uma sereia de duas caudas (símbolo mitológico de sedução e viagem).
O foco inicial não era vender café pronto, mas grãos de alta qualidade e equipamentos para preparo. Isso já diferenciava a Starbucks da experiência norte-americana comum: o café barato, aquoso, servido em litros.
Anos 1980 – A entrada de Howard Schultz
Howard Schultz, então diretor de marketing de uma empresa de utensílios domésticos, conheceu a Starbucks em 1981. Ficou fascinado. Um ano depois, foi contratado como diretor de operações e marketing.
Em 1983, Schultz viajou à Itália e conheceu as cafeterias de Milão. Ficou encantado com o papel social que elas desempenhavam: não eram apenas lugares para beber café, mas espaços de encontro, conversa, cultura. Ao voltar, tentou convencer os fundadores da Starbucks a replicarem essa ideia nos EUA. Eles resistiram. Schultz então abriu sua própria rede, Il Giornale, que expandiu rapidamente.
Em 1987, Schultz conseguiu comprar a Starbucks por US$ 3,8 milhões. Foi o início da transformação.
Anos 1990 – O “terceiro lugar”
A década de 1990 foi de crescimento explosivo. Schultz implantou sua visão: a Starbucks não venderia apenas café, mas um estilo de vida. Criou o conceito do “terceiro lugar”: além de casa e trabalho, um espaço para estar.
Esse posicionamento foi revolucionário. Em uma sociedade cada vez mais acelerada, a Starbucks oferecia uma experiência que era, ao mesmo tempo, prática e aspiracional. Beber café ali não era sobre necessidade, mas sobre identidade cultural.
Foi nessa época que a marca passou a se associar fortemente a jovens urbanos, executivos, artistas e estudantes. O copo com o logo virou um acessório.
Em 1992, a Starbucks abriu capital na Nasdaq, com apenas 165 lojas. Em 1996, abriu sua primeira loja fora dos EUA, em Tóquio. No fim da década, já eram mais de 2.000 lojas em todo o mundo.
Anos 2000 – Globalização e desafios
Nos anos 2000, a Starbucks virou símbolo da globalização. Entrou na Europa, América Latina e Ásia. Tornou-se um “ícone americano”, amado e criticado. Em muitas cidades, era vista como símbolo da homogeneização cultural.
O crescimento foi tão rápido que gerou problemas: lojas demais, em locais próximos, canibalizando vendas. A experiência começou a perder qualidade.
Em 2007–2008, veio a crise financeira global. O consumo caiu. A Starbucks fechou centenas de lojas e viu sua ação despencar. Schultz voltou ao cargo de CEO em 2008 (após ter deixado em 2000) para conduzir uma reestruturação.
Ele reduziu a expansão, fechou lojas de baixo desempenho, redesenhou processos, investiu em treinamento e trouxe inovação digital. Foi um exemplo clássico de empresa que quase perde seu rumo, mas se reinventa.
Anos 2010 – Era digital e expansão chinesa
Na década seguinte, a Starbucks se consolidou como referência em experiência digital no varejo. Criou um dos programas de fidelidade mais robustos do mundo, com milhões de clientes cadastrados, integração de pagamentos móveis e benefícios exclusivos.
Esse ecossistema virou um dos diferenciais competitivos mais fortes da empresa. Hoje, o Starbucks Rewards conta com mais de 34 milhões de membros só nos EUA. É uma máquina de dados e recorrência.
Paralelamente, a Starbucks apostou pesado na China. A primeira loja em Pequim, aberta em 1999, foi o início de uma jornada que se tornaria central para a empresa. Ao longo dos anos 2010, a China virou o segundo maior mercado da marca. Hoje, já são mais de 6.000 lojas, com planos de expansão ainda maiores.
Mas essa aposta também trouxe vulnerabilidade: a Starbucks se expôs ao risco geopolítico, à concorrência local e a um mercado altamente dinâmico.
A Starbucks como símbolo cultural
Mais do que números, a Starbucks construiu capital simbólico. O copo verde aparece em filmes, séries e clipes. Personagens de Friends, Sex and the City ou The Devil Wears Prada seguravam seus lattes, reforçando a imagem de que Starbucks era parte da vida urbana moderna.
Isso fez da empresa algo maior do que uma cafeteria: um símbolo aspiracional global. Beber Starbucks é sinal de status, de pertencimento a uma cultura cosmopolita.
Esse valor intangível — a marca — foi avaliado em mais de US$ 50 bilhões pela Brand Finance em 2023. Poucas empresas conseguem transformar um commodity como café em um ativo cultural desse porte.
Mas símbolos podem falhar
A lição da história mostra que símbolos têm prazo de validade se não forem renovados.
A Apple quase morreu nos anos 1990 antes da volta de Jobs.
O McDonald’s enfrentou uma crise nos anos 2000 e só se recuperou após repensar cardápio e modelo.
A BlackBerry acreditava que seu teclado físico era insubstituível. Ignorou o touchscreen e desapareceu.
A Kodak era sinônimo de fotografia. Criou a primeira câmera digital, mas decidiu proteger os filmes analógicos. Hoje é apenas uma lembrança.
A Starbucks ainda tem um dos moats de marca mais fortes do mundo. Mas ele está sob ataque: concorrentes locais, mudança de hábitos, novas gerações que não valorizam status da mesma forma.
O investidor pragmático precisa aprender a separar o fascínio do símbolo do que realmente importa: a capacidade de transformar esse símbolo em caixa e relevância no futuro.
3. O momento atual – diagnóstico 2025
Depois de mais de meio século de trajetória, a Starbucks chega a 2025 em uma encruzilhada. É ainda uma das marcas globais mais fortes do planeta, mas enfrenta desafios de execução, pressões de custos e mudanças culturais que colocam à prova sua capacidade de continuar crescendo.
Para compreender a situação atual da empresa, precisamos analisar em camadas: fundamentos financeiros, cenário competitivo, gestão e forças que permanecem.
3.1 Receita, lucros e margens
Nos últimos 10 anos, a Starbucks manteve uma trajetória de crescimento robusto na receita. Em 2015, faturava cerca de US$ 19 bilhões. Em 2024, esse número já ultrapassava US$ 36,1 bilhões, quase o dobro. Isso mostra que, em termos de expansão e capacidade de geração de vendas, a empresa não perdeu tração.
O problema está na lucratividade. O lucro líquido em 2024 foi de US$ 3,7 bilhões, um número relevante, mas que representa uma queda de margem em relação a anos anteriores.
Margens operacionais, que já chegaram próximas a 20%, caíram para cerca de 13%.
O fluxo de caixa livre, embora positivo, tem oscilado devido ao aumento de custos fixos e variáveis.
O que pressiona as margens?
Custo do café – o preço da commodity subiu em 2023 e 2024 devido a secas severas no Brasil e a problemas logísticos em países exportadores.
Mão de obra – nos EUA, sindicatos pressionam por melhores salários e benefícios. A Starbucks já enfrentou greves em diversas cidades.
Expansão internacional – abrir e manter lojas em mercados como a China exige capital intensivo e adaptação local, o que aumenta despesas.
O resultado é uma empresa que continua crescendo em faturamento, mas que precisa trabalhar para recuperar margens — algo essencial para que o mercado volte a precificar a ação em múltiplos mais altos.
3.2 A crise silenciosa na China
A China é talvez a maior incógnita do futuro da Starbucks.
A primeira loja foi aberta em 1999, em Pequim. Desde então, o crescimento foi vertiginoso. Hoje são mais de 6.800 lojas no país, e a China representa o segundo maior mercado da empresa, atrás apenas dos EUA.
Mas o cenário mudou.
Nos últimos anos, a concorrente local Luckin Coffee ressurgiu com força após um escândalo contábil em 2020 que quase a destruiu. Reinventada, a Luckin adotou um modelo 100% digital, com pedidos feitos exclusivamente pelo aplicativo, retirada rápida e preços mais baixos. O consumidor chinês — jovem, conectado, pragmático — abraçou esse modelo.
Resultado:
Em 2023, a Luckin ultrapassou a Starbucks em número de lojas na China.
Em 2024, já operava mais de 10.000 pontos.
Outra concorrente, a Cotti Coffee, entrou no jogo com uma expansão ainda mais agressiva.
Enquanto isso, a Starbucks manteve o modelo de experiência premium, com lojas espaçosas, ambiente de convivência e preços altos em termos relativos. Essa estratégia funcionou na classe média emergente da China por anos, mas hoje enfrenta desgaste.
O dilema é claro: a Starbucks vende status, mas o consumidor chinês está escolhendo conveniência e preço.
Além disso, tensões geopolíticas entre EUA e China representam um risco. Embora o café não seja um setor sensível como tecnologia ou energia, restrições comerciais, nacionalismo do consumidor e pressões regulatórias podem afetar o desempenho da marca.
3.3 O mercado norte-americano
Nos EUA, berço da marca, a Starbucks continua forte, mas enfrenta seus próprios problemas.
O programa de fidelidade Starbucks Rewards é um sucesso, com mais de 34 milhões de membros ativos. Isso garante uma base de clientes recorrente, que gera fluxo de caixa previsível.
O aplicativo da empresa é referência em pagamentos digitais e dados de consumo. Mais de 25% das transações já ocorrem via mobile.
No entanto, os custos trabalhistas vêm subindo. O movimento sindical, antes improvável, ganhou força. A Starbucks tem enfrentado processos e protestos em várias cidades.
Esse aumento de custos, somado à pressão inflacionária, afeta as margens. Ao mesmo tempo, a concorrência indireta se intensifica: cafeterias artesanais independentes capturam consumidores jovens em busca de autenticidade, enquanto redes como Dunkin’ competem em preço.
3.4 Estratégia de reestruturação
Diante desse cenário, a Starbucks anunciou em 2024 um plano robusto de reestruturação:
Fechamento de lojas deficitárias em mercados saturados.
Reforma de 1.000 unidades, com foco em design mais funcional e integração digital.
Corte de 900 vagas administrativas para reduzir custos fixos.
Redução de 30% no cardápio, eliminando itens pouco vendidos para simplificar operações.
Esse movimento ecoa decisões que já deram certo em outras redes globais. O McDonald’s, nos anos 2000, enfrentou situação parecida e se reinventou com foco em eficiência e simplicidade.
O novo CEO, Brian Niccol, tem histórico que inspira confiança: à frente da Chipotle, recuperou a empresa após um grave escândalo de contaminação. Agora, sua missão é provar que pode repetir o feito em escala ainda maior.
3.5 Fundamentos financeiros detalhados
Vamos olhar alguns números-chave (2024):
Receita: US$ 36,1 bilhões.
Lucro líquido: US$ 3,7 bilhões.
Margem líquida: 10,2%.
Dívida líquida/EBITDA: em torno de 2,0x, considerada administrável.
Dividend yield: cerca de 2%, relativamente modesto.
Valuation: ação negociava em múltiplos de P/L ~22x, abaixo da média histórica da empresa (25–30x).
Esses números mostram uma empresa sólida, mas em fase de ajuste. Não é uma companhia em crise existencial, mas uma marca em teste de relevância.
3.6 As forças que permanecem
Apesar dos desafios, a Starbucks continua tendo pilares estratégicos que não devem ser subestimados:
Marca global – ainda é um dos símbolos mais reconhecidos do planeta. Em valor de marca, disputa com McDonald’s, Coca-Cola e Apple entre os gigantes.
Programa de fidelidade – os 34 milhões de membros ativos nos EUA são um ativo valioso, comparável a um “Netflix do café”.
Ecossistema digital – a Starbucks é líder em pagamentos móveis e dados de consumo, criando barreiras para concorrentes menos sofisticados.
Capacidade de inovação – a empresa foi pioneira em drinks sazonais, parcerias e novos formatos de loja.
Diversificação de receitas – além das lojas, gera caixa via parcerias (Nestlé, que distribui café da marca em supermercados), licenciamento e produtos de varejo.
Essas forças explicam por que, mesmo sob pressão, a Starbucks ainda é considerada uma empresa de alta qualidade — mas que precisa provar se consegue sustentar esse status no futuro.
3.7 O risco de complacência
A história mostra que empresas que confiam demais em sua força de marca correm risco de complacência.
A BlackBerry acreditava que seu teclado físico era insubstituível. Ignorou a ascensão do touchscreen e sumiu.
A Kodak acreditava que era intocável na fotografia analógica. Inventou a câmera digital, mas não teve coragem de matar seu próprio negócio.
A Starbucks não está nesse nível de risco, mas o alerta existe. A crença de que “a marca é tão forte que sempre vai se pagar” pode ser perigosa. O consumidor é volátil, e novas gerações podem não ver o mesmo valor no copo verde que seus pais viram.
📌 Resumo do diagnóstico 2025:
Receita forte, margens pressionadas.
Crescimento na China, mas sob ataque da concorrência local.
Custos trabalhistas e de insumos em alta.
Plano de reestruturação em andamento.
Marca, fidelidade e ecossistema digital ainda poderosos.
A Starbucks não é uma empresa em colapso, mas uma gigante em ponto de inflexão. Pode repetir a reinvenção do McDonald’s ou cair na armadilha da complacência como BlackBerry e Kodak.
4. O método pragmático de análise – além do copo verde
Muitos investidores iniciantes caem em uma armadilha: confundir familiaridade com qualidade. Como usamos produtos de certas empresas todos os dias, tendemos a acreditar que elas são bons investimentos. Isso gera uma ilusão perigosa, chamada de “viés da disponibilidade”: aquilo que está mais presente no nosso cotidiano parece mais importante ou mais valioso do que realmente é.
O método pragmático que usamos aqui busca justamente o oposto: eliminar paixões e narrativas fáceis, reduzindo a análise a três perguntas simples e universais:
O dinheiro entra ou não entra?
– A empresa gera caixa, consegue crescer receitas e sustentar margens?Existe algo que os outros não conseguem copiar?
– Esse diferencial é um moat (trincheira competitiva) ou apenas uma moda passageira?Quem está no comando cuida ou não cuida?
– A gestão aloca capital de forma racional, transparente e consistente?
Esse tripé é a versão de “instrumentos de voo” do investidor pragmático.
4.1 Pergunta 1 – O dinheiro entra?
A Starbucks, como vimos, gera caixa. A receita mais do que dobrou em dez anos e os lucros são relevantes. Mas, como todo investidor disciplinado deve perceber, a questão não é apenas gerar caixa, mas quanto sobra depois de todos os custos e quanto desse caixa é reinvestido com retorno adequado.
Exemplo positivo: a Apple, após a volta de Steve Jobs, transformou cada dólar de caixa em novos produtos, serviços e recompras de ações que aumentaram o valor ao acionista.
Exemplo negativo: a Kodak, mesmo com fluxo de caixa robusto nos anos 1990, desperdiçou recursos tentando proteger um negócio moribundo (filmes analógicos).
A Starbucks ainda está em posição de força, mas a queda nas margens mostra que a resposta não é binária: o dinheiro entra, mas cada vez menos sobra.
4.2 Pergunta 2 – Existe algo único?
Aqui entramos no conceito de moat — termo popularizado por Warren Buffett para descrever vantagens competitivas que funcionam como trincheiras em volta de um castelo. Quanto mais largo e profundo o fosso, mais difícil para os concorrentes atacarem.
O moat da Starbucks é triplo:
Marca global – o copo verde é reconhecido em quase todos os continentes.
Experiência premium – o “terceiro lugar” é um conceito que nenhuma concorrente copiou com igual força.
Ecossistema digital – o programa de fidelidade e pagamentos móveis criou uma barreira invisível, mas poderosa.
O problema é que moats não são eternos. Eles podem se expandir ou erodir.
A Apple expandiu seu moat ao integrar hardware, software e serviços (iPhone + App Store + iCloud).
O McDonald’s restaurou seu moat quando parecia obsoleto, redesenhando cardápio, lojas e marketing.
A BlackBerry perdeu seu moat quando acreditou que segurança e teclado físico bastariam.
A Kodak destruiu o seu ao ignorar a digitalização.
Hoje, o moat da Starbucks sofre ataques de dois lados:
Preço e conveniência – concorrentes como Luckin Coffee oferecem café mais barato e com mais agilidade.
Autenticidade cultural – cafeterias independentes atraem jovens que não querem um “produto de massa”, mas algo único.
A questão pragmática não é “a Starbucks tem moat?”, mas “esse moat ainda será relevante em 2030 ou 2035?”.
4.3 Pergunta 3 – Quem está no comando?
Gestão importa tanto quanto fundamentos e vantagens competitivas. Uma empresa com caixa robusto e moat forte pode ser destruída por decisões ruins de liderança.
A Starbucks tem em Brian Niccol um CEO que já provou sua capacidade de turnaround na Chipotle. Mas o desafio é maior: agora ele precisa conduzir uma marca global com dezenas de milhares de lojas.
Exemplo positivo: Satya Nadella na Microsoft. Herdou uma empresa gigante, considerada “lenta”, e a transformou em líder de nuvem, dobrando o valor de mercado em menos de 10 anos.
Exemplo negativo: John Sculley na Apple. Ignorou a revolução tecnológica e quase destruiu a empresa nos anos 1990.
Gestão é sobre visão, execução e alocação de capital. O mercado observará de perto se Niccol tem disciplina e coragem para cortar excessos, investir no certo e reinventar a Starbucks sem perder a essência.
4.4 Quadro Didático – O Moat das Empresas
Empresa | Moat principal | O que aconteceu | Situação final |
---|---|---|---|
Starbucks | Marca global, experiência, ecossistema digital | Concorrência ataca preço e conveniência | Moat sob teste |
McDonald’s | Escala global, cadeia logística, imóveis | Perdeu relevância nos 2000, reinventou-se | Moat restaurado |
Apple | Ecossistema integrado, comunidade leal | Quase perdeu relevância nos 1990 | Moat expandido |
BlackBerry | Segurança, teclado físico | Ignorou touchscreen e apps | Moat erodido |
Kodak | Domínio em fotografia analógica | Ignorou digital | Moat destruído |
📌 Lição pragmática: o moat é dinâmico. O que hoje é vantagem pode amanhã ser irrelevante.
4.5 A Starbucks no ciclo das empresas
Toda empresa passa por ciclos:
Criação – energia empreendedora, crescimento inicial.
Expansão – conquista de mercado, margens crescentes.
Maturidade – mercado saturado, concorrência aperta.
Renovação ou declínio – reinvenção ou queda.
A Starbucks está na fase 3 (maturidade), precisando decidir se parte para renovação ou se corre o risco do declínio.
Se seguir o caminho do McDonald’s e da Apple, pode se reinventar.
Se seguir o caminho da BlackBerry ou Kodak, pode perder relevância em menos de uma década.
4.6 A psicologia do investidor diante de moats
Um ponto importante é que o investidor tende a superestimar a eternidade de um moat. É reconfortante acreditar que uma marca icônica é imbatível. Mas a realidade é mais dura: o consumidor muda rápido, tecnologias surgem, concorrentes inovam.
Buffett costuma dizer: “A chave está em saber se o fosso se expande ou se estreita.”
O pragmatismo exige justamente essa leitura constante. No caso da Starbucks, o moat da marca continua forte, mas o da experiência já sofre erosão, e o digital, embora valioso, pode ser copiado se concorrentes locais forem mais ágeis.
📌 Resumo do Capítulo 4:
O método pragmático elimina paixão e foca em três perguntas: caixa, moat e gestão.
O moat da Starbucks existe, mas está sob ataque.
O futuro depende da execução da gestão e da capacidade de reinventar relevância.
A história mostra: moats não são eternos. A única certeza é a mudança.
5. Geopolítica e macrotendências do café
Uma análise pragmática de qualquer empresa global não pode ignorar a dimensão geopolítica. Isso é ainda mais verdadeiro quando falamos de negócios ligados a commodities agrícolas, como o café. A Starbucks, embora seja uma empresa de varejo e experiência, depende profundamente de cadeias globais de suprimentos que estão expostas a riscos climáticos, políticos e culturais.
O copo de café que chega à mesa em Nova York ou Xangai não é apenas uma bebida; é o resultado de uma cadeia complexa que atravessa continentes, governos e interesses.
5.1 O café como commodity global
O café é a segunda commodity agrícola mais negociada do mundo, atrás apenas do petróleo em alguns períodos da história. Estima-se que mais de 125 milhões de pessoas em mais de 70 países dependam economicamente da cadeia do café.
Principais produtores:
Brasil – líder mundial, responsável por cerca de 40% da produção global.
Vietnã – principal produtor de robusta, vital para blends mais baratos.
Colômbia – referência em arábica premium.
Etiópia – berço do café, forte em nichos especiais.
Para a Starbucks, a dependência desses países é absoluta. Uma seca em Minas Gerais, um embargo comercial na Ásia ou uma crise política na Colômbia, ou digamos um devaneio Tarifaço têm impacto direto nos custos da empresa.
5.2 Choques históricos do café
A volatilidade do café não é novidade. Vejamos alguns episódios:
1975 – Geada no Brasil
Uma onda de frio devastou plantações, derrubando a oferta e disparando os preços mundiais. Cafeterias e torrefadoras tiveram margens comprimidas.1989 – Fim do Acordo Internacional do Café
Por décadas, esse acordo regulou cotas de exportação, estabilizando preços. Com seu colapso, o mercado ficou mais volátil, afetando toda a cadeia.2011 – Alta recorde dos preços
Problemas climáticos e estoques baixos elevaram o preço do arábica a níveis históricos, pressionando empresas globais como Starbucks e Nestlé.
Esses exemplos mostram que o café, como toda commodity, está sujeito a choques imprevisíveis.
5.3 O fator climático
O café é uma das culturas mais sensíveis ao clima. Mudanças sutis de temperatura e precipitação podem reduzir drasticamente a produtividade.
Com as mudanças climáticas, estima-se que até 50% das áreas atuais de cultivo de café arábica podem se tornar inviáveis até 2050 (Fonte: estudo da PNAS).
Isso significa que a Starbucks não enfrenta apenas o risco de preços voláteis, mas também de escassez estrutural de suprimento nas próximas décadas.
Alguns países estão adaptando plantações a altitudes maiores; outros buscam variedades resistentes. Mas essa transição não é simples nem barata.
5.4 A geopolítica do Brasil e do Vietnã
O Brasil, maior produtor global, vive ciclos de estabilidade e instabilidade política. Questões como infraestrutura logística (portos, estradas), políticas ambientais e câmbio influenciam diretamente o preço do café exportado.
O Vietnã, por sua vez, tornou-se essencial para o robusta usado em blends mais acessíveis. Tensões comerciais ou restrições ambientais também podem afetar a Starbucks indiretamente.
Em resumo: a Starbucks pode ser americana na fachada, mas seu coração financeiro pulsa ao ritmo de plantações brasileiras e vietnamitas.
5.5 O papel da China – geopolítica do consumo
Se Brasil e Vietnã são a base da oferta, a China é hoje a principal fronteira de demanda. O desafio é que a China não é apenas consumidora, mas também promotora de nacionalismo econômico.
O governo chinês apoia empresas locais como Luckin Coffee, o que cria barreiras invisíveis à Starbucks. Além disso, tensões EUA–China podem gerar boicotes espontâneos de consumidores, como já ocorreu com outras marcas ocidentais.
Esse risco é difícil de quantificar, mas real: basta lembrar os boicotes sofridos por marcas como Nike e H&M em 2021, após críticas a políticas chinesas em Xinjiang.
5.6 ESG – Sustentabilidade e riscos reputacionais
No século XXI, não basta vender café. É preciso responder à pergunta: “de onde vem esse café?”.
Consumidores, especialmente millennials e Gen Z, exigem transparência. Escândalos ligados a desmatamento, exploração de trabalhadores ou más práticas ambientais podem corroer a reputação da Starbucks de forma irreversível.
A empresa já investe em programas de sustentabilidade, como o Coffee and Farmer Equity Practices (C.A.F.E.). Mas há críticas de que tais programas ainda não são suficientes para enfrentar os desafios climáticos.
Aqui está a vulnerabilidade: se a Starbucks não se posicionar fortemente em ESG, pode perder o diferencial cultural que construiu.
5.7 Tendências de consumo
Além da geopolítica, há uma transformação cultural no consumo de café:
Personalização – jovens consumidores querem bebidas adaptadas ao seu gosto (sem lactose, veganas, com proteínas, etc.).
Saúde e bem-estar – há maior procura por cafés orgânicos, funcionais e sustentáveis.
Digitalização – apps de delivery e pagamentos móveis estão moldando a experiência.
Autenticidade – cresce a demanda por cafés artesanais, locais, que transmitam identidade.
A Starbucks liderou a tendência da digitalização, mas enfrenta ameaça na autenticidade: pequenas cafeterias independentes atraem consumidores que rejeitam o mainstream.
5.8 A Starbucks como “empresa geopolítica”
A análise pragmática mostra que a Starbucks é mais do que varejo:
Está exposta ao clima do Brasil.
Depende da política agrícola do Vietnã.
Vive sob risco regulatório da China.
É avaliada por investidores sob critérios ESG.
Ou seja, é uma empresa que opera na interseção de commodities, cultura e geopolítica.
📌 Resumo do Capítulo 5:
O café é uma commodity global sujeita a choques climáticos e políticos.
Brasil e Vietnã são vitais para a oferta.
A China é a fronteira de demanda, mas também um campo de risco geopolítico.
ESG e reputação são cada vez mais centrais para a marca.
Tendências de consumo exigem adaptação rápida.
6. Valuation e cenários futuros
Analisar uma empresa pragmaticamente significa não apenas olhar para o passado ou para os símbolos, mas colocar números no futuro. O valuation é o exercício de transformar expectativas em estimativas de valor. É uma arte imperfeita, mas necessária: não dá para decidir se uma ação merece estar em sua carteira sem, ao menos, testar cenários de preço justo.
O grande erro dos investidores iniciantes é acreditar que valuation gera certezas. Não gera. O valuation é um mapa probabilístico, não uma profecia.
6.1 Métodos de valuation
Há diversas formas de avaliar uma empresa. No caso da Starbucks, três são especialmente úteis:
Múltiplos de mercado – compara a Starbucks a pares do setor (P/L, EV/EBITDA, P/S).
Fluxo de Caixa Descontado (DCF) – projeta o fluxo de caixa futuro e traz a valor presente.
Valuation relativo de marca – considera o valor intangível da marca, medido por consultorias como Interbrand e Brand Finance.
Cada método tem limitações. Por isso, o pragmatismo exige combinar abordagens.
6.2 O ponto de partida – situação 2024
Receita: US$ 36,1 bi
Lucro líquido: US$ 3,7 bi
Margem líquida: 10,2%
EBITDA: ~US$ 6,5 bi
Dívida líquida/EBITDA: ~2,0x
Dividend yield: ~2%
P/L atual: ~22x
Esses números posicionam a Starbucks como uma empresa madura, com crescimento ainda presente, mas em ritmo menor.
6.3 Múltiplos comparativos
Comparando Starbucks com pares do setor:
Empresa | P/L 2024 | EV/EBITDA | Margem líquida |
---|---|---|---|
Starbucks | ~22x | ~14x | 10,2% |
McDonald’s | ~27x | ~17x | 25% |
Chipotle | ~42x | ~25x | 12% |
Dunkin’ (priv.) | N/D | N/D | ~9% (histórico) |
📌 Starbucks negocia a múltiplos menores que McDonald’s e Chipotle. O mercado precifica desafios de margem e execução.
6.4 Projeções de receita e margem
Para estimar o valor justo, precisamos projetar cenários.
Cenário otimista (turnaround bem-sucedido):
Crescimento de receita: 7% ao ano.
Margem líquida volta a 16%.
Lucro líquido em 2028: ~US$ 6,5 bi.
Cenário base (estabilidade sem brilho):
Crescimento de receita: 4% ao ano.
Margem líquida estabiliza em 12%.
Lucro líquido em 2028: ~US$ 4,7 bi.
Cenário pessimista (erosão contínua):
Crescimento de receita: 2% ao ano.
Margem líquida cai para 8%.
Lucro líquido em 2028: ~US$ 3 bi.
6.5 Valuation simplificado (P/L alvo)
Se aplicarmos múltiplos conservadores:
Cenário otimista: P/L 25x → preço-alvo ~US$ 110 em 3–5 anos.
Cenário base: P/L 20x → preço-alvo ~US$ 70.
Cenário pessimista: P/L 15x → preço-alvo ~US$ 40.
6.6 Fluxo de Caixa Descontado (DCF simplificado)
Hipóteses:
WACC (custo médio ponderado de capital): 8%.
Crescimento de longo prazo (g): 2,5%.
FCF inicial: US$ 4,5 bi.
Resultados aproximados:
Cenário otimista: valor justo ~US$ 115/ação.
Cenário base: valor justo ~US$ 75/ação.
Cenário pessimista: valor justo ~US$ 45/ação.
📌 Perceba como os números convergem: não importa o método, a Starbucks tem um intervalo provável entre US$ 40 e US$ 110, dependendo da execução.
6.7 O valor da marca
Além dos números, há o intangível. A Brand Finance estimou o valor da marca Starbucks em US$ 53 bilhões em 2023. Isso coloca a empresa à frente de quase todas as concorrentes de fast-food, exceto McDonald’s.
Esse valor não aparece diretamente no balanço, mas se traduz em:
capacidade de cobrar mais pelo mesmo produto,
fidelidade de consumidores,
resiliência em crises.
Mas atenção: marcas também se desgastam. O valor da Coca-Cola já foi muito maior nos anos 1990. O de BlackBerry era incalculável em 2007.
6.8 Cenários de 3, 5 e 10 anos
Horizonte 3 anos (2027–2028)
Otimista: margens restauradas, lucro +20% aa, ação entre US$ 90–110.
Base: margens moderadas, lucro estável, ação entre US$ 60–75.
Pessimista: margens caem mais, ação entre US$ 40–50.
Horizonte 5 anos (2030)
Otimista: expansão digital e na China, lucro US$ 7–8 bi, ação acima de US$ 140.
Base: crescimento modesto, lucro ~US$ 5 bi, ação em US$ 80–100.
Pessimista: concorrência destrói moat, ação volta a US$ 30–40.
Horizonte 10 anos (2035)
Aqui entra a reflexão mais filosófica: a Starbucks será ainda relevante em 2035?
Se conseguir se reinventar, pode ser a próxima McDonald’s ou Apple — estável, resiliente, ainda global. Nesse caso, ação acima de US$ 200.
Se falhar, pode virar uma nova BlackBerry — uma lembrança cultural. A ação pode cair para valores residuais (~US$ 15–20).
Cenário mais provável (pragmático): estará no meio do caminho. Nem uma estrela, nem um fracasso. Talvez valha entre US$ 90 e US$ 120, acompanhando o crescimento nominal da economia global.
6.9 O que isso significa para o investidor
Stock picking puro: Starbucks pode ser um satélite interessante na carteira, mas não deve ser núcleo.
ETF approach: quem investe em ETFs globais já tem Starbucks indiretamente (via S&P 500, por exemplo).
O investidor pragmático: atribui probabilidades. Talvez 40% para o cenário base, 30% para o otimista, 30% para o pessimista.
Ou seja, Starbucks não é aposta de “certeza de crescimento”. É uma empresa em teste.
📌 Resumo do Capítulo 6:
Valuation mostra faixa de valor justo entre US$ 40 e US$ 110 em 3–5 anos.
Marca é um ativo intangível valioso, mas que pode se desgastar.
Em 10 anos, Starbucks pode ser um novo McDonald’s… ou uma nova BlackBerry.
Para o investidor pragmático, o mais racional é incluí-la como satélite em uma carteira diversificada.
7. Lições para investidores – O pragmatismo aplicado
Estudar a Starbucks em profundidade é mais do que analisar uma ação. É aprender sobre os mecanismos que regem empresas globais e, principalmente, sobre os erros e acertos do investidor. Cada caso como esse traz lições que podem ser aplicadas a qualquer decisão de portfólio.
7.1 A armadilha do consumo versus investimento
Talvez a lição mais óbvia seja também a mais ignorada.
Erro comum: gostar de um produto e assumir que isso faz da empresa um bom investimento.
Exemplo: milhões de pessoas usam Netflix, mas a ação despencou 75% entre 2021 e 2022 por causa da saturação de crescimento e mudanças no modelo.
Exemplo contrário: muitos consumidores criticam a McDonald’s por questões de saúde, mas a ação multiplicou de valor nas últimas duas décadas.
📌 O investidor pragmático sabe: sua experiência pessoal é irrelevante diante dos números.
7.2 O passado não garante o futuro
A Starbucks é uma marca global icônica. Mas quantas empresas icônicas desapareceram em poucas décadas?
Kodak era sinônimo de fotografia. Hoje é uma nota de rodapé.
Blockbuster dominava o entretenimento doméstico. Hoje é uma lembrança nostálgica.
BlackBerry era o celular dos presidentes, Barack Obama e seu BlackBerry Presidencial era algo emblematico. Hoje é irrelevante.
📌 Moats se desgastam, culturas mudam, tecnologias avançam. O investidor que projeta o passado no futuro erra.
7.3 O mercado premia execução, não promessas
Palavras bonitas em relatórios anuais não pagam dividendos. O que conta é execução.
A Starbucks pode anunciar planos de reforma, digitalização e sustentabilidade. Mas até que isso apareça em margens melhores e fluxo de caixa robusto, nada mudou.
📌 Lição: não invista em narrativas; invista em probabilidades de execução.
7.4 Empresas vivem ciclos
Toda empresa passa por fases como a vida:
Criação (energia, risco, sonho).
Expansão (crescimento acelerado).
Maturidade (estabilidade, mas menor crescimento).
Declínio ou renovação.
A Starbucks hoje está no estágio 3. Isso não é ruim, mas exige vigilância. O investidor precisa perguntar: esta empresa tem capacidade de se reinventar?
📌 A Apple e o McDonald’s provaram que é possível. A BlackBerry e a Kodak mostraram que não.
7.5 A simplicidade vence a complexidade vazia
Muitos analistas criam modelos excessivamente complexos para justificar teses. O pragmatismo pede outra abordagem:
A Starbucks gera caixa suficiente?
Seu moat continua relevante?
A gestão executa bem?
Três perguntas simples que cortam o ruído.
📌 A simplicidade não é ignorância; é foco no essencial.
7.6 Diversificação como defesa
Mesmo uma marca global pode falhar. Por isso, nenhuma empresa deve ser o núcleo da carteira.
O núcleo deve estar em ETFs amplos (S&P 500, MSCI World, etc.).
O stock picking deve ser satélite, limitado e consciente.
A Starbucks pode caber como satélite, mas nunca como núcleo no meu entendimento como uma Berkshire. Assim, se der certo, traz ganho extra. Se falhar, não compromete o portfólio.
📌 Diversificação não é abrir mão de retorno; é garantir sobrevivência.
7.7 Probabilidades, não certezas
O investidor amador busca certezas: “essa ação vai subir”. O investidor pragmático lida com probabilidades:
40% chance de cenário base.
30% chance de otimista.
30% chance de pessimista.
Com isso, consegue tomar decisões frias, sem se apegar emocionalmente ao ativo.
📌 Lição: investir é sobre jogar o jogo das probabilidades.
7.8 A tentação da “carteira recomendada”
Outro perigo é delegar o pensamento crítico a relatórios de bancos e corretoras. Muitas vezes, essas carteiras têm conflitos de interesse ou são excessivamente reativas.
O investidor pragmático lê relatórios, mas não copia. Ele usa como insumo, não como guia.
📌 Seguir cegamente uma carteira recomendada é abdicar do pensamento crítico — o oposto do que buscamos.
7.9 A geopolítica como variável estrutural
A Starbucks mostra que empresas globais não vivem em uma bolha. O clima no Brasil, a política no Vietnã, a regulação na China e o consumo nos EUA — tudo isso impacta diretamente seu resultado.
📌 O investidor global precisa pensar como um estrategista geopolítico. Ignorar isso é correr riscos invisíveis.
7.10 Pragmatismo como filosofia
No fundo, a maior lição não é sobre a Starbucks. É sobre a forma de pensar:
Não confunda paixão com investimento.
Não projete o passado no futuro.
Não se iluda com narrativas.
Não busque certezas; atribua probabilidades.
Não aposte tudo em uma empresa; diversifique.
Pragmatismo é a arte de olhar para empresas como instrumentos de geração de caixa no tempo, não como símbolos de amor ou ódio.
📌 Resumo do Capítulo 7:
Starbucks é um laboratório para aprender as principais lições do mercado.
O investidor pragmático simplifica, diversifica e foca em execução.
O caso Starbucks reforça: o maior ativo de um investidor não é uma marca, mas sua lucidez.
8. Conclusão – O Manifesto do Investidor Pragmatista
Chegamos ao final de um mergulho profundo na Starbucks. Vimos a trajetória da empresa, suas glórias e dilemas, o peso da geopolítica, a pressão da concorrência e as incertezas que definem seu futuro. Mas, acima de tudo, vimos como a análise de uma única empresa pode servir como um espelho do mercado e como um manual prático para qualquer investidor que busque lucidez.
A Starbucks, no fim, é apenas um caso. O que realmente importa são os princípios que extraímos dessa análise.
8.1 Empresas são organismos vivos
A Starbucks nasceu pequena, expandiu, quase entrou em crise, se reinventou, cresceu novamente e agora enfrenta novos desafios. Essa trajetória não é exceção; é a regra.
Toda empresa:
nasce com energia empreendedora,
cresce quando encontra mercado,
amadurece e enfrenta pressões,
se reinventa ou desaparece.
📌 O investidor pragmático entende que empresas não são linhas retas, mas ciclos. E que seu trabalho não é prever cada curva, mas identificar em qual estágio do ciclo ela está e agir em conformidade.
8.2 Moats não são eternos
Warren Buffett fala do “fosso” que protege o castelo da empresa. Mas todo fosso pode secar, todo inimigo pode encontrar uma ponte.
O moat da Starbucks é a marca, a experiência e o digital.
O da Apple é o ecossistema integrado.
O do McDonald’s é a escala global.
O da BlackBerry foi o teclado físico (e desapareceu).
O da Kodak foi o filme analógico (e desapareceu).
📌 O investidor pragmático não idolatra moats. Ele os monitora. Pergunta: esse fosso está se expandindo ou se estreitando?
8.3 Narrativas seduzem, mas execução decide
A Starbucks tem uma das marcas mais icônicas do mundo. Mas isso não garante o futuro. O que vai definir se valerá US$ 40 ou US$ 200 por ação em 2035 é a execução: capacidade de reduzir custos, se adaptar à China, reinventar produtos, manter relevância cultural.
📌 O investidor pragmático olha para narrativas, mas não se deixa hipnotizar. Sabe que o mercado não paga histórias — paga execução.
8.4 Probabilidades acima de certezas
Muitos investidores perguntam: “A Starbucks é uma boa ação?” Essa é a pergunta errada.
A pergunta certa é:
Quais os cenários possíveis?
Quais as probabilidades de cada um?
Qual o risco-recompensa de investir nela em comparação a outros ativos?
📌 Investir é lidar com incerteza. O pragmatismo não busca a certeza inexistente, mas atribui probabilidades e age com disciplina.
8.5 O núcleo e os satélites
No modelo de portfólio pragmático, a Starbucks nunca deve ser núcleo. O núcleo é formado por ETFs globais (S&P 500, MSCI World, etc.), que garantem diversificação, resiliência e simplicidade.
A Starbucks pode ser um satélite: uma aposta de convicção, limitada, que adiciona tempero e potencial. Se der certo, traz ganho. Se falhar, não derruba o portfólio.
📌 O investidor pragmático não coloca sua independência financeira nas mãos de uma única empresa — por mais glamourosa que ela seja.
8.6 A geopolítica como realidade inescapável
A Starbucks mostra que até uma cafeteria é geopolítica. Depende do clima no Brasil, da política agrícola do Vietnã, do apetite do consumidor chinês, da regulação ambiental, do câmbio e até de guerras comerciais.
📌 O investidor pragmático pensa global. Não investe só em empresas, mas em contextos. Ignorar geopolítica é ignorar metade do jogo.
8.7 O papel do investidor: lucidez
No fim, a maior lição é quase filosófica. O investidor precisa cultivar lucidez.
Não se apaixonar por marcas.
Não se iludir com certezas.
Não se deixar levar pelo ruído das redes sociais ou por relatórios enviesados.
Não se paralisar diante do medo ou da ganância.
O investidor pragmático não busca atalhos fáceis. Busca consistência. Não busca certezas confortáveis. Busca probabilidades racionais.
8.8 Starbucks como metáfora do mercado
Por que Starbucks é um bom estudo de caso? Porque reúne tudo o que encanta e tudo o que ameaça o investidor:
Uma marca amada.
Uma base de clientes gigante.
Uma commodity sujeita a choques.
Uma geopolítica incerta.
Uma execução que pode salvar ou destruir.
É uma empresa no ponto de inflexão. Pode ser a próxima McDonald’s, que se reinventou e prosperou. Ou a próxima BlackBerry, que não conseguiu acompanhar mudanças.
📌 Starbucks é, ao mesmo tempo, oportunidade e risco. Exatamente como o mercado.
8.9 O Manifesto Pragmatista
Investir não é consumir. Gostar de um produto não significa que a empresa seja um bom negócio.
Nenhum moat é eterno. Toda vantagem competitiva pode ser corroída.
Narrativas seduzem, mas execução paga. O mercado premia resultado, não discurso.
Invista em probabilidades, não em certezas. O futuro é incerto, mas pode ser mapeado em cenários.
Diversifique sempre. Nunca dependa de uma única empresa. ETFs são o núcleo; ações individuais, os satélites.
Pense global. Empresas não existem em bolhas; vivem em cadeias de suprimentos, geopolítica e cultura.
Cultive lucidez. O maior ativo do investidor não é dinheiro, mas clareza de pensamento.
8.10 Encerramento
A Starbucks pode brilhar ou falhar. Pode valer US$ 200 ou US$ 20 em dez anos. Mas, para o investidor pragmático, isso importa menos do que o processo.
O importante é aplicar o método, cultivar lucidez e construir um portfólio que sobreviva a qualquer cenário.
O pragmatismo é, no fim, a melhor defesa contra os ruídos, os vieses e as ilusões do mercado.
Até a próxima Carta de Valor,
Victor Giorgi
Se este modelo de pesquisa e fundamentação ajudou você a entender como estudar empresas, me responda. Assim posso trazer novos casos e análises em futuras Cartas.
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