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Ética em Primeiro Lugar
A confiança é a moeda invisível que sustenta o mercado financeiro.
Sem ela, gráficos, projeções e estratégias não passam de ruídos em papel. O capital se move não apenas pela matemática dos números, mas pela integridade de quem os interpreta.
E é justamente nesse ponto que se ergue a linha mais perigosa: quando um especialista deixa de ser neutro, instrumentaliza sua autoridade e expõe opiniões políticas dolosas em benefício próprio, transformando seguidores em curral eleitoral.
A história está repleta de exemplos de líderes e especialistas que, ao abandonar a ética, abriram caminho para tragédias coletivas.
Nos anos 30, técnicos que deveriam alertar sobre riscos embarcaram em narrativas autoritárias, cedendo credibilidade científica para legitimar agendas de poder.
Na União Soviética, a pseudociência agrícola de Lysenko, amparada por Stálin, custou milhões de vidas ao silenciar a verdadeira ciência. No Brasil, quantas vezes economistas não foram usados como instrumentos de legitimação de governos, defendendo medidas sabidamente insustentáveis apenas para manter influência e proximidade com o poder?
A tentação de trocar independência por favores, ou objetividade por aplausos, é tão antiga quanto os mercados. E a consequência é sempre a mesma: a confiança se esfarela, a credibilidade se dissolve e, cedo ou tarde, os investidores percebem que foram manipulados.
“A confiança, uma vez perdida, nunca mais pode ser totalmente recuperada.” — Cícero
Um analista, consultor ou gestor não é pago apenas por saber ler balanços ou interpretar curvas de juros. Ele é pago por ser independente. Esse é o bem mais escasso em tempos de polarização: a capacidade de olhar os fatos sem se ajoelhar diante de narrativas.
Não é por acaso que reguladores como a CVM e entidades como a APIMEC e a ANBIMA reforçam em seus códigos de conduta que a independência e a objetividade são princípios inegociáveis. Se a análise de um especialista estiver contaminada por interesses políticos, ela deixa de ser análise para se tornar propaganda.
Ética em primeiro lugar significa resistir à sedução do palco, porque quando seguidores são transformados em plateia e recomendações em slogans, a fronteira entre especialista e militante desaparece.
“O maior risco não é a ignorância, mas a ilusão de conhecimento.” — Charlie Munger
A instrumentalização política do conhecimento técnico sempre cobra um preço alto.
John Law, no século XVIII, convenceu a França de que havia descoberto o segredo da prosperidade infinita.
Criou a bolha do Mississippi e, quando ela estourou, famílias foram arruinadas e a confiança no sistema monetário francês se perdeu por gerações.
Hjalmar Schacht, presidente do Reichsbank, usou sua autoridade para dar verniz econômico ao nazismo, colaborando com uma das maiores tragédias da humanidade.
Lysenko, na URSS, sacrificou ciência em nome da ideologia e produziu fome em massa. Décadas depois, agências de rating deram notas máximas a ativos podres em 2008, cúmplices da crise que destruiu trilhões em valor de mercado.
Na Argentina, estatísticas de inflação foram manipuladas para proteger narrativas de poder, corroendo a credibilidade do país.
No Brasil, a sucessão de planos econômicos sem fundamento nos anos 80 e 90 mergulhou a população em hiperinflação.
“Os erros mais fatais são aqueles cometidos por pessoas que acreditam sinceramente em suas próprias mentiras.” — Friedrich Hayek
Se no passado a manipulação estava nas mãos de ministros e bancos centrais, hoje ela também acontece em um novo palco: as redes sociais.
Jovens criadores de conteúdo, com câmeras em HD e linguagem carismática, se apresentam como educadores financeiros ou analistas independentes.
Mas em muitos casos, entregam não conhecimento neutro, e sim ideologia, autopromoção ou propaganda. O que Platão chamou de sofistas, retóricos que usavam palavras para manipular em vez de buscar a verdade, reaparece agora em versões digitais que transformam algoritmos em armas de convencimento.
Eu costumo dizer: cuidado com o authority bias.
Cuidado com a tentação de acreditar em alguém apenas porque fala com convicção, porque tem milhares de seguidores ou porque domina jargões técnicos. Nem sempre quem fala alto fala com verdade.
Mais ainda: cuidado com o que você consome todos os dias — ideias são como alimentos. Moldam sua saúde mental e financeira. Se você se alimenta de narrativas enviesadas, cedo ou tarde seu patrimônio refletirá esse veneno.
E digo mais: um especialista que se autoproclama mito nunca deveria ser ouvido.
A busca por idolatria é incompatível com a ética. Quem precisa ser venerado não busca esclarecer, busca seguidores. E seguidores cegos não investem: obedecem.
“As massas humanas mais perigosas são aquelas em cujas veias foi injetado o veneno do medo… do medo da verdade.” — Friedrich Nietzsche
Essa manipulação digital é ainda mais perigosa porque se apresenta como acessível, rápida e “descomplicada”. Mas o que parece educação muitas vezes é apenas narrativa. A estética da análise dá credibilidade àquilo que não passa de viés travestido de neutralidade.
O resultado: investidores jovens e famílias inteiras se prendendo a ativos ruins, narrativas ideológicas ou ilusões de proteção, enquanto deixam escapar oportunidades globais.
A Escola Austríaca de Economia, tão citada e ao mesmo tempo mal compreendida, ajuda a iluminar esse risco. Mises e Hayek lembraram que nenhum indivíduo, governo ou especialista possui conhecimento absoluto da economia.
O mercado é um processo descentralizado de descoberta, e acreditar que uma mente ou instituição pode controlar tudo é cair na “arrogância fatal”. Quando um especialista, seja no poder público ou no YouTube, se apresenta como dono da verdade, ele não é mais um analista: é um engenheiro social pronto para manipular.
Pior ainda quando reduz teorias complexas a slogans, distorcendo conceitos austríacos de ciclos de crédito ou de moeda sã em benefício próprio.
“Não existe meio de evitar o colapso final de um boom provocado pela expansão do crédito… a questão é apenas se virá mais cedo ou mais tarde.” — Ludwig von Mises
A lição austríaca é clara: interpretações superficiais, quando usadas para sustentar narrativas políticas ou pessoais, sempre acabam em custos altos para aqueles que seguem sem questionar.
Economia não é slogan, investimento não é palanque.
É por isso que o investidor global precisa cultivar filtros rigorosos. Questionar a fonte é essencial: este especialista está me informando ou me manipulando? Recomendação que parece slogan é alerta vermelho.
Diversificação global não é luxo, é defesa contra ruídos eleitorais e manipulações locais. Mais do que isso: valorize consistência ética. Prefira quem sustenta suas análises mesmo quando contrariam narrativas populares.
O respeito ao livre arbítrio precisa ser preservado — inclusive nos investimentos. Mesmo quando os fatos parecem nítidos, cada pessoa tem o direito de escolher o caminho que seguirá. Mas esse direito vem acompanhado da responsabilidade de colher os frutos ou pagar o preço de suas escolhas.
É justamente por isso que defendo a tese do investimento global: ele amplia o campo do livre arbítrio, dando ao investidor a possibilidade de escapar das amarras locais, dos ciclos políticos e das narrativas manipuladas. Investir globalmente não é apenas diversificação, é liberdade em sua forma mais concreta.
“Diversificação é a única proteção contra a ignorância.” — Warren Buffett
O maior patrimônio de um especialista não é a performance de curto prazo, mas a confiança que constrói ao longo de anos. Uma recomendação pode falhar; uma estratégia pode precisar de ajustes.
Mas a ética, uma vez comprometida, dificilmente se reconstrói. Em um mundo polarizado, onde o ruído invade todos os espaços, escolher permanecer neutro e íntegro é um ato de coragem. É também o único caminho para atravessar crises, ciclos e modas passageiras.
Investir globalmente, com fundamento e ética, é mais do que uma estratégia financeira: é um compromisso com a liberdade, com a racionalidade e com o legado que deixaremos.
“Riqueza pode ser acumulada e até perdida, mas a ética e a credibilidade são o verdadeiro capital que jamais pode ser negociado.” — Victor Giorgi
Até a próxima Carta de Valor,
— Victor Giorgi, Fundador da VGI+ Investimentos Globais
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