✉️ Cartas de Valor

O tabuleiro global do investidor

Desde o início da minha jornada no mercado financeiro, sempre observei um traço recorrente no investidor brasileiro: a tendência de olhar apenas para dentro, como se a bolsa local fosse a régua que mede o destino de seu patrimônio.

Essa preferência não é exclusiva nossa; chama-se home bias, o viés doméstico.

Ele nasce do conforto, da familiaridade, do instinto de permanecer naquilo que está próximo. Mas se há algo que a história já mostrou, é que conforto e resultados consistentes raramente caminham juntos. A B3 representa menos de 1% do valor de mercado global. Investir apenas no Brasil é como jogar xadrez em um tabuleiro de apenas uma fileira: é possível mover as peças, mas nunca disputar a verdadeira partida.

Os números não deixam espaço para ilusões.

O S&P 500, índice das maiores empresas americanas, entregou retornos médios de cerca de 10–11% ao ano em dólares nos últimos 20 anos, mesmo atravessando crises severas como o colapso de 2008, a pandemia e ciclos de aperto monetário.

Nos últimos 10 e 15 anos, o retorno anualizado se aproxima de 15% — um compounding que transformou empresas em verdadeiros impérios de valor. Já o MSCI Europe, mais moderado, oscilou entre 6–7% ao ano no mesmo período, ainda assim preservando capital e distribuindo dividendos robustos.

O MSCI Emerging, que reflete países em desenvolvimento, mostrou mais volatilidade, com picos em ciclos de commodities e quedas em crises políticas. E o MSCI Brazil, em dólares, rodou perto de 7,6% ao ano nos últimos dez anos, com oscilações muito mais violentas.

Os dados são claros: o prêmio por investir em mercados maduros foi significativamente superior. E aqui entra John Bogle, criador dos index funds, lembrando que a beleza da simplicidade está em aceitar o mercado como ele é: investir em índices globais de baixo custo e colher os frutos da produtividade do mundo, sem se iludir com a capacidade de prever ou controlar o imprevisível.

Mas números de retorno são apenas parte da história.

Existe um fator estrutural que o investidor brasileiro muitas vezes ignora: o câmbio. Desde o Plano Real, em 1995, o dólar saiu de R$0,85 para mais de R$5 em 2025.

Essa erosão silenciosa significa que, mesmo com ganhos em reais, o poder de compra global se deteriorou de forma contínua. O câmbio é o imposto invisível que pune a concentração doméstica. E isso não é uma opinião, é uma realidade objetiva.

Como dizia Charlie Munger, “é notável o quanto de longo prazo conseguimos quando nos recusamos a acreditar em ilusões de curto prazo”. Confiar que o real será reserva de valor é uma dessas ilusões recorrentes.

A disciplina está em aceitar o fato: riqueza precisa ser medida em moeda forte.

A história corporativa reforça o argumento.

O Brasil tem casos de colapsos que marcaram gerações de investidores:

  • Americanas em 2023, com inconsistências contábeis que levaram a recuperação judicial;

  • Oi em 2016, com a maior RJ do país, dívidas de R$65 bilhões e anos de destruição de valor;

  • OGX em 2013, símbolo de expectativas infladas que se transformaram em dívida e frustração;

  • Varig em 2006 e Vasp em 2005, companhias aéreas que desapareceram deixando passivos imensos;

  • Panamericano em 2010 e Cruzeiro do Sul em 2012, bancos médios que colapsaram;

Além de ciclos de estatais como Petrobras, que chegou a perder mais de 80% de valor de mercado nos anos da Lava Jato, e Eletrobras, que passou anos sendo subutilizada como instrumento político.

Do outro lado do tabuleiro, vimos empresas globais atravessarem crises e se reinventarem: Apple, Microsoft, Nestlé, Johnson & Johnson, Toyota, Berkshire Hathaway.

Aqui entra Schumpeter, com sua teoria da destruição criativa: mercados maduros permitem que empresas fracas desapareçam, mas criam ambiente para que vencedores surjam e cresçam.

No Brasil, muitas vezes os colapsos refletem não o dinamismo saudável, mas fragilidades estruturais — governança precária, ambiente regulatório instável, intervenções políticas.

E o risco não está apenas no micro, mas também no macro.

O Brasil depende fortemente da China: quase 30% de nossas exportações têm esse destino. Essa concentração pode parecer positiva em tempos de bonança, mas expõe vulnerabilidades em um mundo multipolar, onde tensões comerciais e geopolíticas podem se traduzir em choques de balança e câmbio.

A diversificação global não é só uma escolha financeira; é também uma estratégia de gestão de risco geopolítico. Enquanto EUA e China disputam cadeias de valor em tecnologia e energia, a Europa acelera sua transição energética, e o Oriente Médio mantém sua centralidade no petróleo, quem investe globalmente dilui dependências e participa de todos os motores de crescimento, em vez de ficar exposto a um único elo da cadeia.

Outro ponto que precisa ser encarado com sobriedade é a maturidade institucional.

Indicadores internacionais como o Índice de Percepção da Corrupção (34/100 pontos para o Brasil em 2024) e o World Governance Indicators (apenas 28% em estabilidade política) mostram que o país ocupa posição intermediária, longe dos líderes.

Isso significa custo de capital mais alto, maior volatilidade e menor previsibilidade. Não é uma questão de opinião, mas de precificação: investidores globais exigem prêmio de risco para aplicar em mercados com fragilidade institucional, e esse prêmio sai do bolso do acionista local.

É nesse ponto que filosofia e finanças se encontram.

Charlie Munger nos lembra da importância da rede de modelos mentais: entender que economia, política, psicologia e história se entrelaçam.

John Bogle reforça a disciplina da simplicidade: investir no todo, reduzir custos, não tentar adivinhar o mercado.

Ayn Rand traz a filosofia da racionalidade e da responsabilidade individual: “você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade”.

E Ray Dalio complementa, com sua visão de ciclos e diversificação: não concentrar em um único pilar, porque todo império, toda moeda e todo mercado têm seus altos e baixos.

O que une todos esses pensadores é a convergência para um ponto: maturidade significa aceitar a realidade como ela é, e não como gostaríamos que fosse.

Investir globalmente não é fuga, não é pessimismo, não é ideologia. É pragmatismo.

É reconhecer que o Brasil tem oportunidades, mas também fragilidades, e que nenhum investidor precisa carregar o risco de um país sozinho.

É aceitar que riqueza de longo prazo se constrói em dólar, em empresas globais, em setores que atravessam gerações.

É admitir que liberdade financeira significa não depender de decisões políticas locais, de ciclos de commodities ou de variações abruptas de câmbio.

Quando olho para trás, vejo que a diferença entre quem conseguiu preservar e multiplicar patrimônio e quem ficou para trás esteve, quase sempre, na capacidade de enxergar além das fronteiras.

O investidor que apostou apenas no Brasil enfrentou crises recorrentes, inflação, câmbio, colapsos corporativos. Quem diversificou globalmente teve turbulências, mas sua base esteve ancorada em moedas fortes e empresas globais de qualidade.

Criação de riqueza

Ayn Rand dizia que a grandeza humana nasce quando a razão guia a ação.

John Bogle provou que, com disciplina e foco no simples, era possível democratizar a criação de riqueza.

Munger nos ensinou a combater vieses e a esperar pacientemente pelo momento certo.

Todos eles apontam para a mesma lição: a maturidade do investidor está em jogar no tabuleiro inteiro, não em se limitar a um único quadrado.

Investir apenas no Brasil pode parecer suficiente em alguns momentos, mas é um risco desnecessário. O mundo oferece amplitude, consistência e resiliência.

A verdadeira liberdade patrimonial nasce quando paramos de olhar apenas pela janela de casa e passamos a enxergar o horizonte inteiro.

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Até a próxima carta de Valor,

— Victor Giorgi, Fundador da VGI+ Investimentos Globais

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